quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Durkheim e Lévi-Strauss: A escola sociológica francesa e uma análise de aproximações teóricas

Por Rodrigo Pereira

1.   A Escola Sociológica Francesa e Emile Durkheim:


1.1.                    Objetivos da Escola Sociológica Francesa:
Émile Durkheim (Épinal, 15 de abril de 1858 — Paris, 15 de novembro de 1917) é considerado como o pai ou mentor intelectual do que ficou conhecida como Escola Sociológica Francesa. Criada no contexto da grande revolução das ciências na França e na Europa tinha no Iluminismo, na racionalidade e na cientificidade alguns de seus suportes teóricos. Em Durkheim a sociologia francesa tem tanto o mentor metodológico (com a fixação do que eram os fatos sociais e como analisá-los) quanto o seu mentor teórico (no que se refere a publicações de livros ilustrando o funcionalismo, como O suicídio e a revista L’ Année Sociologique). Em seu entorno é que outros autores/pesquisadores irão se projetar: Lucien Lévy-Bruhl, Marcel Mauss (seu sobrinho), Maurice Leenhardt e Georg Simmel (entre outros).
Cardoso de Oliveira (1998, p. 74) destaca a filiação racionalista-cientificista de Durkheim da seguinte forma:
Durkheim, como não podia deixar de ser, vai se filiar à tradição intelectualista-racionalista, e tomar como fonte de inspiração para seu vigoroso cientismo na programação da sociologia – perdida a jovem disciplina, em seu modo de ver, nas elucubrações metafísicas de Comte ou nas generalizações mais filosóficas do que sociológicas de Spencer – a biologia, melhor dizendo, irá inspirar-se no organicismo biológico [...].

Sobre a cientificidade de Durkheim Lévi-Strauss (1965, p. 18) afirma que:
De todas las esculeas sociológicas, la francesa fué la que más se dedicó al problema de definir los hechos científicos y de hacer una nítida distinción entre hechos científicos y no científicos […] El requisito fundamental de una definición objetiva estrata los fenómenos conforme a un elemento unificador perteneciente a la naturaleza de los mismos, no según una nocion ideál, poco más o menos […].

            Cabe resaltar ainda que Durkheim (e inclua-se Marcel Mauss) “[...] procuraron llegar [...] hasta los elementos fundamentales, ocultos detrás de ellos, que constituyen los verdaderos componenstes de los fenômenos [...]” (LÉVI-STRAUSS, 1956, p. 19). Este pode ser um dos pontos de toque entre o estruturalismo de Lévi-Strauss e as concepções funcionalistas de Durkheim. Ou seja, ao campo simbólico e de estruturas gerais estruturantes da vida e presentes em elementos particulares em cada cultura (Lévi-Strauss) e que podem ser entendidas como as “Categorias de Pensamento” em Durkheim e em Mauss (1903 [2009]).
            Assim, o modelo biológico adotado por Durkheim para orientar o método sociológico deduzirá o símbolo da representação e o emblema da experiência à objetividade do símbolo, está é o reflexo ou a expressão da “exterioridade” que constitui uma das propriedades inerentes dos fatos sociais (Durkheim, 1999).
            Como destaca Lévi-Strauss (1965) as principais contribuições desta escola datam do primeiro quarto do século XX, sendo perceptível a sua atuação desde os últimos dez anos do século XIX. Entre o final do século XIX e o início dos anos de 1910 encontram-se as publicações das grandes obras de Durkheim: 1889 – Elementos da sociologia, 1893 – A divisão do trabalho social, 1895 – As regras do método sociológico, 1896 – A proibição do incesto e suas origens e a edição da revista L’ Année Sociologique, 1897 – O suicídio, 1900 – A sociologia na França no século XIX, 1901-1902 – junto com Mauss publica Algumas formas primitivas de classificação e em 1912 – As formas elementares da vida religiosa[1].
            Cardoso de Oliveira (1988, p. 28) afirma que o grande objetivo desta escola sociológica seria “[...] dar conta das categorias do entendimento da sociedade e povos concretos, como condição prévia à compreensão do pensamento humano ou, como falavam os filósofos da natureza do espírito humano”. Assim, um dos papeis de destaque de Durkheim foi, sem dúvida, a fundação da sociologia como uma ciência autônoma da psicologia[2] e da filosofia. A publicação em 1895 da obra As regras do método sociológico coroa a sociologia não apenas com o método, agora apartado de Comte e de sua filosofia social, mas também abrirá espaço para uma dupla percepção: tanto dos fenômenos sociais da própria Europa (como no caso da obra O suicídio), como de povos fora do contexto urbano-industrial europeu (Algumas formas primitivas de classificação e As formas elementares da vida religiosa).
            Assim, ao se propor a estudar as “relações gerais entre os fenômenos” (LÉVI-STRAUSS, 1956), a escola sociológica francesa tem um caráter não encontrado nas escolas anglofonas: unir a pesquisa sociológica e a pesquisa antropológica. Neste contexto torna-se possível “[...] rastrear o surgimento da categoria enquanto noção apropriada por uma ciência do homem, ou uma antropologia, obsecada em encontrar um discurso próprio, legitimador de um campo disciplinar inteiramente novo”. (CARDODO DE OLIVEIRA, 1988, p. 27). Não se limitando apenas a desenvolver seu campo de ciência autônomo, mas ligando-se posteriormente a outros campos de estudo: geografia, lingüística, psicologia, direito, arqueologia e artes visuais (LÉVI-STRAUSS, 1956, p. 08 e ss).
            Sendo então a sociologia e a antropologia[3] campos inseparáveis nesta escola (Lévi-Strauss, 1956) é interessante notar o posicionamento de Durkheim sobre a sociologia (aqui contextualizada para a análise da religião) e como esta ciência se desloca, de certas maneiras, do Evolucionismo e da filosofia social:
“[...] Com efeito, é um postulado essencial da sociologia que uma instituição humana não pode repousar sobre o erro e a mentira, caso contrário não pode durar. Se não estivesse fundada na natureza das coisas, ela teria encontrado nas coisas resistências insuperáveis. Assim, quando abordamos o estudo das religiões primitivas, é com a certeza de que elas pertencem ao real e o exprimem; veremos este principio retornar a todo momento. Ao longo das analises e das discussões a seguir, e o que censuraremos nas escolas das quais nos separamos é precisamente havê-lo desconhecido. Certamente, quando se considera apenas a letra das fórmulas, essas crenças e práticas religiosas parecem, às vezes, desconcertantes, e podemos ser tentados a atribuí-las a uma espécie de aberração intrínseca. Mas, debaixo do símbolo, é preciso saber atingir a realidade que ele figura e lhe dê sua significação verdadeira [...]”. (DURKHEIM, 1996, p. VIII). [grifos meus].   

            A partir desta citação podem-se perceber três leituras em Durkheim (e na Escola Francesa): Primeiramente, a ligação com o caráter científico/racional no pensamento sociológico (“Se não estivesse fundada na natureza das coisas, ela teria encontrado nas coisas resistências insuperáveis), ou seja, se os fatos sociais “são coisas” essas existem e podem ser estudadas como realidade “dura” (não apenas como uma representação coletiva) e, em segundo lugar, um princípio de alteridade que, mesmo não tão visível devido a um relativo distanciamento e aproximação com os evolucionistas já afasta Durkheim do rol dos evolucionistas num sentido “stricto sensu” (“Certamente, quando se considera apenas a letra das fórmulas, essas crenças e práticas religiosas parecem, às vezes, desconcertantes, e podemos ser tentados a atribuí-las a uma espécie de aberração intrínseca”). Contudo, em Durkheim, esta alteridade deve ser entendida num enfoque funcional (a função na sociedade é dada em seu contexto geracional)[4]. Desta maneira e à sua forma, este enfoque funcionará como um argumento anti-evolucionista e particularista das sociedades, logo vai de encontro com as idéias de Lévi-Strauss referentes, por exemplo, a questão racial (1993). Uma terceira leitura possível é de que o pensamento religioso tem uma mesma função que a ciência: ambos explicam a realidade do homem. A definição deste “pensamento selvagem” será defendida como necessário a pesquisa, bem como será um principio a antropológico defendido por Lévi-Strauss (1997, p. 17):
 [...] essa ânsia de conhecimento objetivo constitui um dos aspectos mais negligenciados do pensamento daqueles que chamamos “primitivos”. Se ele é raramente dirigido para a realidade do mesmo nível daquelas às quais a ciência moderna está ligada, implica diligências intelectuais e métodos de observação semelhantes. Nos dois casos, o universo é objeto de pensamento, pelo menos como meio de satisfazer a necessidades. Cada civilização tende a superestimar a orientação objetiva de seu pensamento; é por isso, portanto, que ela jamais está ausente. Quando cometemos o erro de ver o selvagem como exclusivamente governado por suas necessidades orgânicas ou econômicas, não percebemos que ele nos dirige a mesma censura e que, para ele, seu próprio desejo de conhecimento parece melhor equilibrado que o nosso [...].
           
Ainda dentro desta alteridade observável em Durkheim (1997, p. 88) é valido notar como ele conceberá a possibilidade de comparação de culturas fora de um programa evolucionista:
[...] os fatos sociais são função do sistema do qual fazem parte; não se pode, portanto, compreendê-los quando separados desse sistema. Eis por que dois fatos, que dizem respeito a duas sociedades diferentes, não podem ser comparados com proveito pela simples razão de parecerem se assemelhar [...].

            Uma das ultimas características a ser atribuída a Escola Sociológica Francesa é uma crítica que Lévi-Strauss percebe de Kroeber (1935, apud Lévi-Strauss, 1956, p. 17) para Durkheim e seus discípulos: a não realização de coleta de dados em campo. Mesmo percebendo esta possível falha no campo investigatório de Durkheim, Lévi-Strauss observa três pontos que anulariam esta possível inércia de pesquisa em campo: As escolas anglofonas, no inicio do século XX, coletaram muitos dados (de Morgan a Boas), mas não o trataram (“[...] sin usarlos para fines científicos [...]”, LÉVI-STRAUSS, 1956, p. 17). Logo isso justificaria a utilização destes dados mesmo em pesquisas “de gabinete” como fizeram Durkheim e Mauss, pois os dados estariam sendo utilizada a luz de uma ciência com métodos e objetos bem delineados. Desta forma, mesmo sem sair da França, Durkheim passou a ter um imenso conhecimento sobre os aborígenes australianos ao ponto de conseguir chegar a conclusões tão universais sobre a religião na obra “As formas elementares de vida religiosa” em 1912 (Lévi-Strauss, 1956).
            Com exceção das costumeiras críticas quanto à relação indivíduos versus sociedade e a questão da agência numa sociedade funcional, Durkheim, na visão de Lévi-Strauss (1956), não deveria ser tão criticado quando ao seu método e aos postulados fundantes da Escola Sociológica Francesa. Para Lévi-Strauss (1956, p. 16) problemas como se a evolução social fosse teleológica deveriam ser vistos na seguinte ótica:
[...] Durkheim se daba perfectamente conta de la importância de esse problema, y podemos decir que todo su trabajo no és sino u esfuerzo para resolverlo. Su fracasso no se debe a una falta de clarividencia, sino al hecho de que las ciencias humanas más adelantadas – la pisocología y la lingüstica – no habían logrado todavía perfeccionar instrumentos (teoria de las formas o Gelstalt y la fonología respectivamente) metodológicos sin cuya ayuda la sociologia no puede abrir su proprio camino.
           
O que fica claro com esta afirmação de Lévi-Strauss não é apenas uma redenção às falhas de Durkheim, mas a defesa e justificação explicita de sua visão estruturalista, baseada na lingüística de Saussure, como meta teoria funcional (no sentido da aplicabilidade, não no sentido funcional de Durkheim) e em voga a partir dos anos de 1960 (observe-se que o texto é datado de 1956).


1.2.                    Fundamentação teórica de Durkheim:
Para a compreensão do que foi o desenvolvimento da teoria sociológica de Durkheim faz-se necessário observar os principais autores que influenciaram a produção do sociólogo francês. Toma-se por base a descrição de Cardoso de Oliveira (1988):





























Quadro 1: Autores que influenciaram Durkheim (Cf. Cardoso de oliveira, 1988):
           



Conforme, portanto, Cardoso de Oliveira (1988) Durkheim é herdeiro não apenas de uma crítica a Kant (via seu mestre Charles Renouvier na École Normale Supérieure). Mas, sobretudo, a Octave Hamelin e as suas críticas ao neokantianismo. Contudo, o próprio Durkheim na obra “As formas elementares de vida religiosa” irá se separar de Hamelin quando afirma
“[...] a origem não mais lógica (sic) mas histórica das categorias do entendimento, acreditando descobrir que elas são elaboradas no seio do pensamento religioso [e] que a ciência a tomou da religião, e que as faculdades intelectuais se formaram ‘por uma penosa reunião de elementos tomados das fontes mais diferentes, as mais estranhas à lógica e laboriosamente organizadas’ ” (DARBON, 1929, p. 42 apud CARDODO DE OLIVEIRA, 1988, p. 31)

            Ao se desvencilhar de Hamelin e de Renouvier, adotando a religião como locus histórico do surgimento das categorias de entendimento/pensamento, Durkheim abrirá espaço para Lévi-Strauss afirmar a igualdade entre o pensamento científico e o “selvagem” (1997). A fim de se compreender o que veio a serem as “categorias do pensamento” é interessante, antes de qualquer coisa, refazer o caminho teórico e filosófico de Kant até Durkheim. Como o objetivo do artigo não é um debate sobre a formação filosófica de Durkheim, mas mapear sua produção e a consequente ligação com Lévi-Strauss, opta-se por assumir os apontamentos e conclusões de Cardoso de Oliveira (1988) sobre o desenvolvimento filosófico de Durkheim:















Tabela 1. Quadro Conceitual sobre as influências filosóficas de Durkheim (Cf. Cardoso de Oliveira, 1988)
Filósofo
Conceitos
Desmembramentos
Immanuel Kant
Doutrina das Categorias (Crítica da Razão Pura, 1781)
Apriorismo kantiano das categorias do entendimento e das formas a priori da sensibilidade concebidas no tempo e espaço.

O quadro kantiano das categorias do entendimento relaciona a quantidade, a qualidade, a relação e a modalidade como as quatro classes de conceitos verdadeiramente fundamentais do entendimento puro. A noção de entendimento puro deriva do seu caráter a priori, a saber a qualquer idéia ou conhecimento anterior à experiência (anterioridade lógica, não cronológica ou psicológica).

Essas categorias ou conceitos imprimem inteligência ao dado captado por nossa sensibilidade através de suas formas (igualmente) a priori que são o tempo e o espaço: são formas a priori da sensibilidade, por intermédio das quais esse dado, essa matéria diversa, organiza-se preliminarmente para oferecer-se aos conceitos do entendimento; pela forma do tempo, essa matéria diversa se sucede; pela do espaço, ela se justapõe.

A articulação entre as formas a priori da sensibilidade e as categorias a priori do entendimento e´, assim, a condição do conhecimento humano.
Renouvier
Criticismo subordina a razão teórica à razão (Science de la Morale, 1969) – Neokantiano ou Neocriticismo
Claro fortalecimento do papel da vontade e da escolha na constituição da Razão, no que diz respeito aos princípios fundamentais que ordenam a experiência humana.

Esta restrição pode ter sido responsável pelo direcionamento assumido por Durkheim na constituição de uma epistemologia sociológica iniciada com a publicação de: Algumas formas primitivas de classificação e As formas elementares da vida religiosa.

Tabela 1. Continuação
Octave Hamelin
Crítica à doutrina kantiana das categorias (Enssair sur les Élements Principaus de La Représentation, 1907)




Discute os conceitos de tempo e espaço para incluí-los no quadro das categorias de entendimento.

“Nós nos separamos dele (Kant) quando ele exclui o tempo do entendimento e o regala à sensibilidade erigida em domínio à parte (HAMELIN, 1927, p. 67 apud CARDOSO DE OLIVEIRA, 1988, p. 30).

“Se para Kant temos uma experiência intuitiva, formada pelo espaço e pelo tempo, separada do entendimento definido pelas categorias, nós não vivemos jamais que na mediação; o entendimento passa pelo intermédio das formas a priori para atingir uma experiência que será sempre ‘fenomenal’ e de onde [...] o fenômeno não será jamais do que a aparência de uma coisa em si inconhecível [...] Ao contrário, o neocriticismo e, por uma razão mais forte, o sistema de Hamelin [...] pensa alcançar um fenomenismo integral, isto é, uma teoria do conhecimento onde a aparecia basta [...], o que implica suprimir toda mediação: primeiro, entre o sensível, o espaço e o  tempo [...]; segundo, entre a intuição e o entendimento fazendo entrar o espaço e o tempo no domínio do entendimento, tornando-os categorias da mesma maneira que a relação, o número, a causa, etc” (PUERCH, 1927, p. 46 apud CARDOSO DE OLIVEIRA, 1988, p. 30-31).

Embora a filosofia de Hamelin seja, sobretudo, uma lógica, ela desemboca numa ontologia, numa concepção do Ser que nesse sentido difere do kantinismo, tornando a “coisa em si” irrelevante para a questão do conhecimento. O fenômeno é o Ser, e este, com Totalidade dos fenômenos, é o conjunto das categorias que para Hamelin, ao contrário de Kant, estão hierarquizadas. 

Para Hamelin “a existência é a realidade levada a seu ápice; a realidade não é mais abstrata e deficitária, mas que, rica de todas suas determinações, tomou esta forma concreta que é a própria existência” (DARBON, 1928, p. 74 apud CARDOSO DE OLIVEIRA, 1988, p. 31)


Tabela 1. Continuação
Emile Durkheim
As formas elementares da vida religiosa (1912)
Ao incorporar o tempo e o espaço no rol das categorias do entendimento, cujas as raízes históricas buscava  contra o apriorismo kantiano, fundamentava-se no Enssair sur les Élements Principaus de La Représentation (1907) de Hamelin: Dizemos que o tempo e o espaço são categorias porque não há nenhuma diferença entre o papel que desempenham essas noções na vida intelectual e que desempenham as noções de gênero ou de causa (DURKHEIM, 1968, p. 13 apud CARDOSO DE OLIVEIRA, 1988, p. 31).
 

















1.3.                    Durkheim e as “categorias de pensamento”:
Cardoso de Oliveira (1993, p. 02) ao desenvolver o conceito de “categorias do pensamento” presente em Durkheim (e consequentemente em Marcel Mauss) afirma que:
Neste empreendimento, e tendo o neo-kantianismo como interlocutor privilegiado, Durkheim e Mauss partem das categorias Aristotélicas do entendimento humano – noções de tempo, de espaço, de gênero, de número, de causa, de substância, de personalidade etc... -, as quais deveriam estar presentes em qualquer sociedade na medida em que constituiriam os fundamentos do conhecimento. Isto é, os sentimentos, as emoções, os juízos, os valores, e, enfim, tudo aquilo que condiciona qualquer pensamento ou representação sobre a vida humana.
           
Assim, o próprio Durkheim descreve esse conceito:

"[...] Elas correspondem às propriedades mais universais das coisas. Elas são como quadros rígidos que encerram o pensamento; este parece não poder libertar-se delas sem se destruir, pois não parece que possamos pensar objetos que não estejam no tempo ou no espaço, que não sejam numeráveis etc. As outras noções são contingentes e móveis; nós concebemos que elas possam faltar a um homem, a uma sociedade, a uma época; aquelas nos parecem quase inseparáveis do funcionamento normal do espírito. São como a ossatura da inteligência [...] ". (DURKHEIM, 1996, p XVI)

Assim, pode-se entender a gênese destas categorias nas experiências humanas e estas sempre em sentido coletivo.  Tempo e espaço, por exemplo, emergem da vida social e da experiência. Se este mesmo tempo e espaço forem pensados como valores sociais eles estariam presentes nas bases da religião (como colocam-se nas “Formas elementares da vida religiosa”, 1996) e teriam como função a ordenação de mundo. Logo, o valor de tempo e espaço é variável conforme a sociedade e conforme a época analisada.
É nesse sentido que Durkheim (1996, p. XX) afirma que as categorias [...] são representadas como dados simples, irredutíveis, imanentes ao espírito humano em virtude de sua constituição natural. Por isso se diz dessas categorias que elas são a priori [...]. Pode-se, portanto, perceber tais categorias como reflexões humanas sobre o meio, logo sendo representações. Outra conclusão possível é que as categorias não seriam diferentes, as sociedades é que seriam diferentes e tornariam as categorias manifestas em sua vida. Tais afirmações são possíveis de interpretação a partir da afirmação de Durkheim (1996, p. XXVI – XXVII):
 As categorias [aparecem no social] como hábeis instrumentos de pensamento, que os grupos humanos laboriosamente forjaram ao longo dos séculos e nos quais acumularam i melhor de seu capital intelectual. Toda uma parte da história da humanidade nelas se encontra como que resumida.

Contudo, nem todas as representações (sempre sociais ou coletivas) são categorias. Durkheim (1970, p. 39) explica sua teoria utilizando uma metáfora:
[...] Se se pode dizer, sob certos aspectos, que as representações coletivas são exteriores com relação às consciências individuais, é porque não derivam dos indivíduos considerados isoladamente, mas de sua cooperação, o que é bastante diferente [...] Uma síntese química se produz que concentra e unifica os elementos sintetizados e, por isso mesmo, os transforma. Uma vez que a síntese é obra do todo, é o todo que ela tem por ambiente. A resultante ultrapassa, portanto, cada espírito individual, assim como o todo ultrapassa a parte. Ela existe no conjunto. Eis ai em que sentido ela é exterior em relação ao particular. Por certo, cada homem contém qualquer coisa desta resultante; mas ela não está inteira em nenhum. Para saber o que é na realidade, deve-se considerar o agregado em sua totalidade [...].

Cardoso de Oliveira (1993, p. 04) resume bem o conceito de categorias e a ligação que existe com Lévi-Strauss (a que este artigo se propõe a explanar):
Para a Escola Francesa as representações coletivas são todas aquelas inferências que fazemos a respeito da vida e do mundo. No próprio ato de perceber e conhecer o mundo, classificamos e ordenamos as coisas de acordo com os modelos fornecidos pela sociedade (isto é, modelos que foram construídos socialmente). De outra maneira, as categorias são aquelas noções que permeiam todas as classificações e ordenamentos que fazemos do mundo, são noções que permitem o equacionamento entre realidades distintas. Enquanto as categorias do entendimento devem ser encontradas em toda e qualquer sociedade, mesmo que de maneira diferente, de acordo com a cultura do grupo social em questão, as representações coletivas variam de uma sociedade para a outra, fazendo com que manifestações específicas do fenômento (sic) possam estar presentes numas e ausentes noutras.

            Esta ordenação do mundo, a classificação e as noções descritas possuem, com certeza, um valor idêntico, ou bem aproximado, da visão estruturalista de Lévi-Strauss (1997) sobre o pensamento humano.













2.   Emile Durkheim e “As formas elementares de vida religiosa”:
Lançado no ano de 1912, As formas elementares da vida religiosa é uma das obras de antropologia[5] mais influentes dentro da Escola sociológica Francesa. Tendo um lugar secundário apenas se comparado a produção antropológica de Marcel Mauss. Durkheim analisa em seu livro o sistema totêmico australiano e como este está no contexto da religião dos autóctones da Austrália.
Bizelli (2006, p. 04) descreve a ligação entre esta obra e as demais de Durkheim:
Datado de 1912, o livro de Durkheim tratando da religião, não só segue a concepção desenvolvida nos anteriores, como a nosso ver, expressa de maneira mais exaustiva e acabada a sua visão do social e sua proposta de Sociologia do conhecimento. O primado ontológico do Social reflete-se aqui, com toda sua força explicitado na religião. Religião e Sociologia do conhecimento não surgem, então, como reflexões a parte ou desconectadas das suas obras anteriores como a Divisão do Trabalho Social (notadamente da solidariedade mecânica verificada nas sociedades simples onde ele postula a formação da consciência coletiva e que é retomada no novo contexto da religião), do Suicídio (onde o estado da integração moral da sociedade determina as variações das taxas de suicídio) e mesmo das Regras do Método Sociológico (a “natureza das coisas” que elevam a normalidade de fato em, normalidade de direito mas que, constamos haver já um certo distanciamento do autor em elação as Regras do Método e que de fato são muito mais procedimentos de investigação).

Apesar de romper com uma visão evolucionista, a obra de Durkheim tem em si alguns aspectos ligados a esta visão linear do desenvolvimento das sociedades. Contudo, como o objeto deste artigo não são os “ranços” evolucionistas de Durkheim[6], atenta-se apenas aqui para a compreensão do texto e das colocações presentes na obra.
Um primeiro ponto a ser destacado é a correspondência que Durkheim faz entre o religioso e o real, não há erro ou equívoco na religião. Ela corresponde ao real e a forma com que os homens o percebem: “No fundo, portanto, não há religiões falsas. Todas são verdadeiras a seu modo: todas correspondem, ainda que de maneiras diferentes, a condições dadas da existência humana” (DURKHEIM, 1996, p. VIII). Nesse sentido e aliando a ele o conceito de categorias do pensamento, Durkheim se proporá a entender a religião em uma sociedade/grupo mais simples e dela perceber generalizações e/ou princípios gerais encontrados nas demais sociedades e, inclusive, na Europa cristã.
Seu argumento não é que sejam grupos clânicos mais simples e mais fáceis de estudar (seja devido aos dados etnográficos, seja devido à complexidade baixa dos australianos), mas sim que as categorias de pensamento e as representações coletivas estão mais perceptíveis e menos preenchidas de significações sociais entre os grupos australianos do que se observar o fenômeno religioso no contexto de uma organização eclesiástica na Europa. Assim, a escolha por “inferiores” deve-se a uma homogeneidade em suas circunstâncias religiosas, o que diminui a variação e permite um estudo mais detalhado. Em tal circunstancia Durkheim pode chegar a uma conclusão óbvia, mas pertinente à sua pesquisa e ao contexto da observância da consciência coletiva sobre a individual: “[...] tudo é comum a todos [...]” (DURKHEIM, 1997, p. XI). 
Entre os australianos a religião estaria não mais aflorada, nem muito menos evoluída, Durkheim não faz esse tipo de afirmação. Entre os australianos o fenômeno social/coletivo da religião e suas implicações para a visão de mundo, organização social e de mitos e ritos está mais evidente. Não há uma leitura evolucionista dos clãs australianos. Como toda religião é reflexo do pensamento organizatório do homem, tanto fazia ir a Europa ou a Austrália. A escolha de Durkheim está em analisar um exemplo isolado e simples para entender o que seja geral a humanidade.
Nesta busca de elementos fundamentais, Durkheim observará fenômenos gerais e seus princípios em comum, bem como a formação básica de determinados princípios (ritos, mitos e locais de reunião). Nesta busca ele não descarta a história, pois esta explica o que é particular e, se tomada como saber e não como a ciência “História”, permite a pesquisa escapar de um anacronismo e chegar a conceitos fundamentais e universais (como dito, a busca pelo geral).
É neste geral que Durkheim consegue afirmar que: “[...] na base de tosos os sistemas de crenças e de todos os cultos, deve necessariamente haver um certo numero de representações fundamentais e de atitudes rituais [...] eles são o conteúdo objetivo da idéia que se exprime quando se fala da religião em geral”. (DURKHEIM, 1997, p. X).
Mesmo afirmando que não há como indicar um ponto histórico do surgimento da religião, Durkheim (1997, p. XIV) expressa um dos objetivos e um dos motivos da escolha dos “primitivos”:
[...] Gostaríamos de encontrar um meio de discernir as causas, sempre presentes, de que dependem as formas mais essenciais do pensamento e da pratica religiosa. Ora, pelas razões que acabam de ser expostas, essas causas são mais facilmente observáveis quando as sociedades são menos complicadas. Eis por que buscamos nos aproximar das origens [...].

            Mesmo em sua introdução ao livro Durkheim (1997, p. XVI) já expressa a maior conclusão que seu estudo teve: a religião é um fato eminentemente social. As categorias de origem (ou de pensamento) são de fundo  social e religioso e, portanto, “[...] devem participar da natureza comum a todos os fatos religiosos: também elas devem ser coisas sociais, produtos do pensamento coletivo [...]”. Ou seja, como exposto na sessão 1 deste artigo o apriorismo de Durkheim não tem relações com o de Kant e encontra-se relativamente diferente do de Hamelin.
            Os demais capítulos da obra de Durkheim descrevem e explicam não apenas a forma de organização da religião ou seu caráter social (a que ele denomina de “efervescência”) expressam que a religião não é um ultimo argumento dos “primitivos” para explicar e entender a realidade ou o sobrenatural, ao contrário, ele explica o ordenamento do cotidiano. O campo religioso não explica o que é irracional, mas sim o que seja racional e perceptível a mente humana.
            Assim, ao ordenar o mundo físico e/ou os acontecimentos (que poderia ter traduzido a um equivalente cientifico do principio organizatório da ciência e do pensamento humano) gera-se pela exclusão desta ordem o mundo não material ou transcendente (que fugiria a tais leis/regras ou possui as suas próprias). O sobrenatural aparece, neste sentido, não como o campo do imprevisível, ao contrário, ele é percebido e trabalhado/organizado nesta sua imprevisibilidade. Contudo, o sobrenatural está em outro conjunto de regras e explicações.
            Portanto, os “primitivos” não recorrem ao pensamento religioso para achar uma solução “miraculosa” para seus problemas. O campo religioso é o campo do conhecer a realidade próxima a si e a seu grupo e uma forma racional/ordenada de como agir sob certas circunstancias. Durkheim (1997, p. 09) afirma: [...] foi e ciência e não a religião que ensinou aos homens que as coisas são complexas e difíceis de compreender.
            A religião configura-se, portanto, como a forma de explicar o impossível de forma contextualizada na vida humana. Ela justifica a desordem e o acidente, bem como as uniformidades da natureza e da vida humana. Evans-Pritchard (1978, p. 63) chega, anos depois, a mesmas conclusões estudando os Azande na África:
Pois se os Azande não podem enunciar uma teoria da causalidade em termos aceitáveis para nós, contudo eles descrevem os acontecimentos em um idioma que é explanatório. Eles estão cientes de que são circunstancias particulares de eventos em sua relação como o homem, sua nocividade para uma pessoa em particular, que constituem a prova da bruxaria. A bruxaria explica por que os acontecimentos são nocivos, e não como eles acontecem [...]. (itálico do autor).

            Em Evans-Pritchard (1978, p. 69) as conclusões de Durkheim podem ser utilizadas para perceber a magia dentro do grupo como elemento ordenado da vida, fato que coloca em debate a valia dos estudos da Escola Sociológica Francesa fora da França (aqui no caso inglês):
Assim, vemos que a bruxaria tem sua própria lógica, suas próprias regras de pensamento, e que estas não excluem a causalidade natural. A crença na bruxaria é muito consistente coma responsabilidade humana e com uma apreciação racional da natureza. Antes de mais anda, um homem deve desempenhar qualquer atividade conforme as regras técnicas tradicionais, que consistem no conhecimento testado por ensaio e erra a cada geração. E apenas quando ele fracassa, apesar de sua adesão a essas regras, que vai imputar a sua falta de sucesso à bruxaria.

            Assim, é função da religião “[...] exprimir e explicar, não o que há de excepcional e anormal nas coisas, mas, ao contrário, o que elas têm de constante e regular [...]”.  (DURKHEIM, 1997, p. 10).   Nessa regularidade prevista na religião é interessante, ainda, destacar o papel que os deuses têm para Durkheim: não juízes, geradores de infortúnio ou dependentes de cultos humanos. Ao contrário eles tem a função essencial de manter o curso normal da vida (Durkheim, 1997).
            Sobre a organização do fenômeno religioso há de se perceber duas categorias fundamentais: a crença e o rito. Se cabe às crenças a construção de representações ou de “estados de opinião” (Durkheim, 1997), cabe aos ritos a organização dos modos de ação. O rito só pode ser entendido e caracterizado se compreender-se o que significa a crença para a religião.
A crença, independente da religião ou do grau de complexibilidade, possui em si uma divisão classificatória do mundo, um par binário de opostos complementares: o sagrado e o profano. Ao campo do sagrado não se listam apenas os deuses ou seus locais de culto, mas tudo aqui que, em algum momento, toca ou é tocado pelo campo não material, ou seja, o espiritual. Assim, os ritos têm em si próprios elementos e momentos de toque com o sagrado. No campo do profano localizam-se todos os elementos cotidianos da vida humana, aqueles que não são tocados ou não fazem parte do mundo sagrado. Neste correlato entre sagrado e profano pode-se perceber que os ritos “[...] são regras de conduta que prescrevem como o homem deve comportar-se com as coisas sagradas”. (DURKHEIM, 1997, p. 24). 
Nesse sentido, a oposição sagrado e profano guarda em si um “contato regulado” entre as duas esferas de crença. Para Durkheim (1997) essa “divisão bipartida” é “[...] característico do fenômeno religioso [...]” (DURKHEIM, 1997, p. 24). É a dualidade e a permissividade de estado (entre o sagrado e o profano) que permitem classificar e ordenar o mundo em duas formas ou dois estados: corpo e alma, limpo e sujo ou deuses e homens (por exemplo). Essas oposições fundadas neste par binário são tomadas por Mary Douglas para compor sua obra “Pureza e perigo” (1976). Os conceitos de pureza e impureza estudados por esta antropóloga dentro do contexto das religiões mais uma vez exemplificam a importância desta obra de Durkheim. 
         Portanto, pode-se entender o culto ou as cerimônias não apenas como estes momentos liminares de contato, mas como formas de atuação no plano físico e espiritual, uma ação sobre o sobrenatural e uma consequente mudança de estado: seja do profano para o sagrado, seja do iniciado no culto que, por meio de um rito de iniciação, é aceito ao culto pelos demais membros e pela divindade.
            Também os mitos, passados pela oralidade ou pela escrita, tem a função ordenadora do mundo. Ele explica, exemplifica e demonstra a causa-consequência das ações humanas e dos deuses. Eles são um dos meios pelos quais a religião se reproduz nas sociedades. Além de história (épicas ou de fundo moral) esse mitos são responsáveis pela passagem, por exemplo, de formulas mágico-religiosas, de sistemas de cura ou prevenção de doença (vejam os exemplos obtidos por Evans-Pritchard, 1978, entre os Azande).
            Dentre estas várias partes componentes da religião, Durkheim (1997, p. 18) chega a uma conclusão e a uma de suas formas de raciocínio na obra:
[...] Procede-se como se a religião formasse uma espécie de entidade invisível, quando ela é um todo formado de partes; é um sistema mais ou menos complexo de mitos, de dogmas, de ritos, de cerimônias. Ora, um todo não pode ser definido senão em relação às partes que o formam. É mais metódico, portanto, procurar caracterizar os fenômenos elementares dos quais toda religião resulta, antes do sistema produzido por sua união.

            Alguns desses elementos já foram descrito anteriormente – sagrado, profano, ritos e mitos. Contudo, é interessante notar como o raciocínio de Durkheim opera por eliminação – ele busca elementos constitutivos da religião e relaciona-os para a compreensão do mundo religioso.  Nessa noção de organização e eliminação é interessante notar que Durkheim (1997) percebe que uma religião não se reduz a apenas um único culto. Ela consiste em um sistema de cultos dotados de certa autonomia e hierarquia. Sendo um culto passível de ser absorvido por outro, ou até mesmo deixar de existir.
            Existem ainda dois domínios a serem descritos na obra de Durkheim (1997): o domínio da religião (já mencionado) e o da magia. Durkheim (1997, p. 26) não distingue diferenças entre estes dois domínios:
Também a magia é feita de crenças e de ritos. Assim como a religião, tem seus mitos e seus dogmas; eles são apenas mais rudimentares, certamente porque, buscando fins técnicos e utilitários, a magia não perde seu tempo com especulações. Ela tem igualmente suas cerimônias, seus sacrifícios, suas purificações, suas preces, seus cantos e danças. Os seres que o mágico invoca, as forças que emprega não apenas da mesma natureza que as forças e os seres aos quais se dirige a religião; com muita freqüência, são exatamente os mesmos [...].

 O sagrado e a sociedade estão para a religião assim como o profano e os indivíduos estão para a magia. Talvez seja por isso que as religiões sejam “gregárias”, no sentido de reforçar os laços de solidariedade entre seus membros e de rememorar crenças e sentimentos coletivos. Não é concebível, por assim dizer, religião sem grupo social. O contrário acontece com a magia segundo o autor, pois trata-se de uma atividade anti-social, que se desenrola em lugares marginais, praticada sempre por um individuo, em geral, solitário. Durkheim (1997, p. 27) chega a afirmar que [...] a magia tem uma espécie de prazer profissional em profanar as coisas sagradas; em seus ritos, realiza em sentido diametralmente oposto as cerimônias religiosas [...].
Durkheim não critica a magia como um produto menor da religião, ao contrário, como já exposto, insiste que ambas estão em conjunção, mas em moldes sociais diferentes e que assim podem ser vistas como opostas.  A escolha pela analise mais minuciosa da religião e não da magia (como farão Mauss e Hubert, 1904 [2003]) é uma escolha/corte no desenvolvimento do estudo: “[...] ainda que possa haver alguma relação entre esses dois tipos de instituições, é difícil que elas não se oponham em algum ponto; e é ainda mais necessário perceber em que se distinguem na medida em que pretendemos limitar nosso estudo à religião e deter no ponto em que começa a magia”. (DURKHEIM, 1997, p. 27)
 Todavia, há uma questão que precisa ser resolvida. Se o sagrado constitui um efeito da sociedade, como este sentimento veio à luz? A reposta reside naquilo que Durkheim (1997, p. 210 e ss) chama de “efervescência coletiva”, concepções que sugerem que a vida coletiva engendra no indivíduo, sentimentos marcados por um alto grau de emotividade que o faz sair de si mesmo. Este sentimento perceptível em momentos de aglutinação dos clãs e das fatrias na Austrália pode ser entendido não apenas como um sentimento maior do homem na perspectiva coletiva e exterior a ele (o que não torna a experiência particular, mas sim social), mas como o momento equivalente ao da própria fundação da noção de sociedade. Nesse sentido não seria impróprio afirmar que a Idéia de deus é a idéia da sociedade. Ele represente não apenas a autoridade do Todo social, mas a materialização do social e da sua solidariedade. Neste sentido Durkheim (1997, p. 211) pode afirmar:
[...] Não há divida de que uma sociedade tem tudo o que é preciso para despertar nos espíritos, pela simples ação que exerce sobre eles, a sensação do divino; pois ela é para seus membros o que um deus é para seus fiéis. Com efeito, um deus é antes de tudo um ser que o homem concebe, sob certos aspectos, como superior a si mesmo e do qual depende acredita depender. [...] Ora, também a sociedade provoca em nós a sensação de uma perpétua dependência. Por ter uma natureza que lhe é própria, diferente da nossa natureza de indivíduo, ela persegue fins que lhe são igualmente específicos, mas, como não pode atingi-los, a não ser por intermédio de nós, reclama imperiosamente nossa colaboração.

Essa “imperiosa colaboração” pode ser entendida como sentimentos coerções e representações coletivas que são sempre exteriores e superiores aos dos próprios homens enquanto sujeitos individuais. Embora seja resultado da composição dos seus membros, o social é algo que está acima deles, ele é o todo, e não a mera soma de suas partes. Em algumas situações, os homens sentem a necessidade de fixar tais sentimentos em objetos e seres (animais e vegetais) que os cercam. O que explica o porquê determinadas coisas – sejam os totens, sejam as imagens ou os templos – recebem um teor sagrado. Mas é preciso frisar, as coisas são sagradas porque são, antes de tudo, sociais. E não o contrário. Como Durkheim (1997, p. 461) afirma na conclusão de seu livro: [...] a experiência religiosa é a sociedade [...]. Pois o que faz o homem é esse conjunto de bens intelectuais que constitui a civilização, e a civilização é obra da sociedade [...].
Durkheim conclui seu livro percebendo que os crentes podem achar que a experiência diária da religião é algo que não corresponde à experiência diária. Que ela acrescenta à ciência outra forma de ver e representar o mundo. Ou seja, apenas haveria na religião a função de fazer “agir e fazer pensar” (Durkheim, 1997). Contudo, este seria uma conclusão errônea. Durkheim (1997, p. 460) afirma, ao contrário, que [...] as crenças religiosas se baseiam numa experiência especifica cujo valor demonstrativo, num certo sentido, não é inferior ai das experiências científicas, embora diferentes [...]. Assim, as categorias fundamentais do pensar humano são baseadas na religião, logo não é errôneo perceber que a ciência seria baseada na religião.
Ao afirmar isso Durkheim (1997, p. 462-463) abre espaço para as suas conclusões sociológicas:
  [...] Pode-se, portanto, dizer, em resumo, que quase todas as grandes instituições sociais nasceram da religião. Ora, para que os principais aspectos da vida coletiva tenham começado por ser apenas aspectos diversos da vida religiosa, é preciso evidentemente que a vida religiosa seja a forma eminente e como que uma expressão resumida da vida coletiva inteira. Se a religião engendrou tudo o que há de essencial na sociedade, é que a idéia da sociedade é a alma da religião. As forças religiosas, portanto, são forças humanas, forças morais. [...] Todas as religiões, mesmo as mais grosseiras, são, num certo sentido, espiritualistas, pois as potencias que elas põem em jogo são, antes de tudo, espirituais e, por outro lado, é sobre a vida moral que elas têm por principal função agir. Compreende-se, assim, que o que foi feito em nome da religião não poderia ter sido feito em vão, pois foi necessariamente a sociedade dos homens, foi a humanidade que recolheu seus frutos.
           
Durkheim (1997, p. 479) conclui, então, que [...] as noções fundamentais da ciência são de origem religiosa [...] e pergunta-se como isso teria ocorrido e por que não percebe-se, a primeira vista, que relações existiriam entre a lógica científica e a religião.
Ao fazer a trajetória social – religião - lógica de ordenação da vida Durkheim, inicialmente, constata que nada predestinava à vida social para uma lógica científica, pois “[...] é obvio que não foi para satisfazer a necessidades especulativas que os homens se associaram (DURKHEIM, 1997, p. 479). Assim, para responder a esta questão seria necessário questionar-se como a vida social colabora para a formação de conceitos.
Para responder a isso Durkheim inicia uma reflexão de que as idéias particulares dos homens não poderiam gerar conceitos coletivos inerentes a representações individuais. Mesmo sendo o real / a realidade a forma de relação com os conceitos, algo só torna-se real quando inteligível a todos, ou seja, quando adentra o âmbito das relações de representações coletivas.
Assim, os conceitos estariam fora do espaço individual. Eles deveriam estar em domínios imutáveis ou passiveis apenas de retificações. Sobre esta “mutabilidade controlada” Durkheim (1997, p. 481) usa uma equivalência entre a língua e o cientista:
[...] Ora, a língua é fixa, modifica-se lentamente e, por isso o mesmo acontece com a organização conceitual que ela exprime. O cientista se encontra na mesma situação em face da terminologia especial empregada pela ciência a que se dedica e, consequentemente, em face do sistema especial de conceitos ao qual esta terminologia corresponde [...].

            A partir disso é que Durkheim pode conferir ao Conceito um status quo imutável e universalizante. Desta forma, ele se torna essencialmente impessoal e através do qual as inteligências dos homens se comunicariam. Ele Taz em si a marca do social, do não particular e apresenta-se como uma fonte onde o coletivo busca suas respostas.
            Retornando a língua, Durkheim (1997, p. 482) vê no contexto linguístico, em que há uma experiência compartilhada e socialmente elaborada, [...] A maneira como a sociedade em seu conjunto representa os objetos da experiência. As noções  que correspondem aos diversos elementos da língua são, portanto, representações coletivas.   
            Assim, tal como a língua é um elemento externo e compartilhado, assim também seriam os conceitos, que se formam sem a intervenção individual. Portanto, “[...] os conceitos são na maioria das vezes idéias gerais, se exprimem em categorias e classes em vez de objetos particulares, [já que] as características singulares e variáveis dos seres só raramente interessam à sociedade [...]” (DURKHEIM, 1997, p. 483). Para Durkheim, então, os conceitos são representações coletivas que acrescentam “[...] àquilo que nossa experiência pessoal pode nos ensinar, tudo o que a coletividade acumulou de sabedoria e de ciência ao longo dos séculos. [...]”(DURKHEIM, 1997, p. 483).
            Desta forma, a sociedade trabalha na gênese do pensamento lógico a partir do contexto que se encontra acima das representações individuais e faz-se conceber em idéias estáveis, gerais e impessoais. Pois, o homem, a partir do momento que percebeu este reino das idéias, ele sem empenhou em pesquisá-las e entender as causas e consequências. Resolvendo por si mesmo “[...] aplicar essas causas para obter, por meio de suas próprias forças, os efeitos que elas implicam; ou seja, concedeu-se o direito de fazer os conceitos [...]” (DURKHEIM, 1997, p. 485). A vida lógica é, então, a percepção humana de que existe uma verdade distinta de si e de suas experiências e aparências sensíveis, ou seja, um mundo de noções-tipo segundo as quais deve regular suas idéias e onde “[...] pensar logicamente, com efeito, é sempre, em alguma medida, pensar de maneira impessoal; é também pensar sub specie aeternitatis. Impessoalidade, estabilidade: são essas as duas características da verdade [...]” (DURKHEIM, 1997, p. 484).
            Obviamente não há como separar a origem da função. Ou seja, a concordância do conceito com a natureza das coisas. Neste contexto, mais do que pensar em uma linearidade da evolução da magia para a religião e desta para a ciência, pode-se perceber em Durkheim como o coletivo toma força e forma na vida humana. É, portanto, a coletividade que toma, paulatinamente, a força e o lugar dos indivíduos. Como afirma Durkheim (1997, p. 486) sobre o conceito [...] que primitivamente é considerado verdadeiro por ser coletivo, tendo a só se tornar coletivo se considerado verdadeiro: pedimos-lhe seus títulos antes de conceder nosso crédito [...].
            Portanto, a ciência e seus postulados passam a ter esta primazia e confiança, pois se tornam externos aos homens e possíveis de controle e uso metódicos. A possibilidade de “controle indefinidamente repetido” é o que permite ao homem crer nos postulados e/ou representações coletivas da ciência. Logo, a religião e ciência têm um principio social idêntico e que as aproxima mais do que afasta, pois ambos são depositários de confiança ou fé nestas ordenações ou representações científicas do mundo:
“[...] Mas essa fé não difere essencialmente da fé religiosa. O valor que atribuímos á ciência depende, em suma, da idéia que temos coletivamente de sua natureza e de seu papel na vida; vale dizer que ela exprime um estado de opinião. E que tudo na vida social, inclusive a ciência, repousa na opinião [...] (DUKHEIM, 1997, p. 487).   

            Sendo o conceito uma “[...] maneira como a sociedade de representar as coisas [...]” (DURKHEIM, 1997, p. 487) não há como pensá-lo como algo recente. Durkheim critica o evolucionismo social afirmando que não haveria período histórico em que o homem não o tivesse utilizado, logo não há como perceber uma “infância da humanidade” em certos grupos e culturas. Pois o homem não poderia ter vivido em confusão mental ou contradição. Cada grupo utilizou-se de conceitos e representações para a sua relação com o mundo. Tal colocação aponta não apenas para os postulados de Lévi-Strauss (1997), mas também para Clifford Geertz (1989) e suas bases para uma antropologia interpretativa (ver em especial o capítulo II, O impacto do conceito de cultura sobre o conceito de homem presente na Interpretação das culturas, 1989).
            Durkheim termina sua obra questionando-se: de onde vê o caráter social das categorias de pensamento? A resposta está na própria sociedade. Retomando as categorias de gênero, tempo e espaço (que lhe separam de seus antecessores – Hamelin, Charles Renouvier e Kant), Durkheim concebe-as como conceitos sociais de grande e geral amplitude sociais (não apenas ao social afirma Durkheim, mas aplicável à realidade inteira). Assim, as categorias geraram uma noção de todo e esta não é proveniente dos indivíduos.
O conceito de totalidade é, portanto, a forma abstrata do conceito de sociedade: “[...] Ela é o todo que compreende todas as coisas, a classe suprema que abrange todas as outras classes [...]” (DURKHEIM, 1997, P. 491). Assim, Durkheim torna possível dizer que o tempo e o espaço são categorias localizadas dentro deste conceito de totalidade e permitem ao homem a sua organização da vida: “[...] a história do mundo durante muito tempo não foi senão um outro aspecto da história da sociedade [...]”. (DURKHEIM, 1997, p. 492).
Para Durkheim é a sociedade que torna expressa essa categoria, mais que expressão dos sujeitos, elas são sociais para orientar a satisfação das diferentes necessidades orgânicas. Assim, cabe uma conclusão sobre o papel do social sobre os indivíduos: “[...] A sociedade supõe, portanto, uma organização consciente de si que nada mais é que uma classificação. Essa organização da sociedade comunica-se naturalmente ao espaço que ela ocupa [...]”.(DURKHEIM, 1997, p. 493).
Portanto, pensar na religião e em sua lógica é localizar o pensamento lógico humano como fonte e/ou de origem social, torna-se uma causa e efeito natural à sociedade. Está lógica está presente tanto na religião como na ciência; somente expressos de formas diferentes e que, com a ciência, passaram a uma forma mais estável, impessoal e neutra. Desta forma, a formação filosófica de Durkheim expressa-se num pensamento cartesiano ao alocar na consciência coletiva a elaboração da categoria de totalidade, logo esta advém da sociedade.
Concluindo esta parte, a sociedade me Durkheim é o ser que sintetiza as experiências humanas e consegue dar conta da totalidade. Durkheim afirma então que se há algo impessoal em nós é por que há o social interiorizado. Portanto, a religião, a moral e a ciência têm a mesma fonte e não se configuram como opostas, apenas são representações e práticas em que essa impessoalidade estende-se às ideias e aos atos de forma natural.



























3.   Claude Lévi-Strauss e o Estruturalismo Francês:

3.2.        Fundamentação teórica de Lévi-Strauss:

            Tendo como modelo a lingüística Lévi-Strauss desenvolve uma antropologia em que se pergunta não o que é cultura ou sociedade, mas onde começa o homem e a sociedade, ou seja, qual o limite entre a natureza humana e a cultura (tida, então, como construção sobre a natureza humana). O valor da cultura é dado pelo grupo, tal como a gramática de uma língua. A mesma ordenação que uma língua/gramática possui também está presente na cultura: ordenações, regras (principalmente) e determinadas posições que inferem valores em determinados sentidos. Resumidamente: a cultura possui princípios ordenatórios, tal qual uma gramática.
            Lévi-Strauss dá continuidade ao pensamento binário classificatório de Marcel Mauss (2002) e, obviamente, da linha de Durkheim. Percebendo, assim, que a mente humana opera em pares binários finitos e em trocas – simbólicas e materiais.  O conceito de “limite” entre natureza e cultura já opera nesta lógica e é este o ponto mestre para a compreensão do Estruturalismo.
            Ao analisar o homem este antropólogo nota que é o processo de socialização que transporta o ser da natureza para a cultura. É o processo de socialização ou internalização das regras criadas que torna o animal homem “homem”. Tal como se perguntou Rousseau (2006) sobre a construção do ser social humano, tal será a grande chave antropológica de Lévi-Strauss. Assim, falar de natureza humana é algo incerto, pois o que foi adquirido e o que é inato misturam-se. Pensar, porém, no instinto humano é pensar como houve uma primazia das regras socialmente construídas e compartilhadas sobre esta marca animal no homo sapiens. Portanto, a marca do comportamento humano é a criação de regras que moldam o instinto animal. Mais certo seja, contudo, dizer que o uso de símbolos pelo homem é que realiza esta intermediação entre o homem e o seu ambiente natural. A cultura configura-se como a ruptura com a me existência biológica. Como afirma Lépine (1979, p. 09): [...] a função simbólica é o traço mais próprio para definir o ser humano. O símbolo constitui o sujeito humano e cadê indivíduo tem de efetuar esta passagem da existência biológica para a existência humana.
            Pensar nestas regras opera-se da mesma forma e/ou sentido tal como uma linguagem, só que de forma universal, pensando na transposição do instinto para a sociedade (como exemplo poder-se-ia falar na regra que barra o incesto, descrita por Freud em “Totem e Tabu”, 1974). Desta forma, duas afirmações podem ser feitas: O comportamento será socialmente construído e as regras mesmo que universais são construídas por cada grupo em sua especificidade. São as regras que estruturam a vida sócio-cultural dos grupos (tal como uma língua estrutura as regras da escrita e da fala) – daí sua antropologia ter este caráter “estruturalista” na busca pelos alicerces que fundaram a vida social e as normas que possibilitaram a criação de significados culturais.
            Assim, a par da existência de regras, Lévi-Strauss somará a elas a troca (idéia vinda de Marcel Mauss, 2002, em que a troca está na base das classificações e regras humanas universais) para compor sua teoria sobre a cultura e sociedade. São as trocas e as regras que fundam a sociedade humana. Assim, poderia-se afirmar a existência de uma homologia entre todas as estruturas mentais  via o uso de regras e de trocas. Tal ponto é o encontro entre as categorias de pensamento de Durkheim e as regras estruturantes da vida social de Lévi-Strauss. 
            Merleau-Ponty (1980, p. 194-195) destaca que Mauss percebeu a magia e a troca no “Ensaio sobre a dádiva” (2002) como um
[...] Sistema eficaz de símbolos ou uma rede de valores simbólicos [...] concebendo o social como simbolismo, consegui encontrar o meio para respeitar a realidade do indivíduo, a do social e a variedade das culturas sem torná-las impermeáveis à outra [...]. Estando aí aberta a possibilidade de, por exemplo, no caso do Mana, [...] a troca não seria um efeito da sociedade, mas a própria sociedade em ato [...].
           
É a partir desta constatação que Lévi-Strauss conseguirá pensar o indivíduo e a sociedade como uma estrutura: “A nova concepção vai denominar estrutura à maneira como a troca está organizada em um setor da sociedade ou na sociedade inteira. Os fatos sociais não são mais idéias: são estruturas [...]”. (MERLEAU-PONTY, 1980, p. 195). 
            Pode-se, portanto, entender o estruturalismo como a teoria que busca as qualidades gerais dos sistemas significativos (parentesco, mitos, religião), onde tais sistemas constituem-se como elementos em relação à, nunca categorias ou objetos delineados. O significado cultural de algo, tal como a palavra na lingüística, deriva da relação – contraste ou diferença – entre elementos culturais. A troca e a relação destes elementos é que dá o valor às relações. Assim, seu livro “As Estruturas Elementares do Parentesco” (1982) seria a grande teoria e prova de que as sociedades se organizam na base da troca e das regras.
            É nesta obra que Lévi-Strauss colocará os pressupostos da análise estrutural: 1º - buscar as estruturas fundantes da sociedade, 2º - deduzir seus princípios subjacentes (sua lógica) e 3º - chegar a “lógica universal da comunicação humana” (Lévi-Strauss, 1982), já que estas estruturas são formas culturais de apropriação da natureza humana.
            As estruturas elementares do parentesco (1982) colocam que este não era, a principio, uma forma de organização social, mas sim um sistema significativo de relações que fundava não o traço social das relações pai-filho (por exemplo), mas o laço construído socialmente entre homem e mulher para barrar o incesto. O parentesco é o ponto de indeterminação da biologia – a escolha do cônjuge. A troca para o casamento é a passagem do biológico para o social (impedir o incesto). É o nascimento da cultura apropriando-se dos instintos humanos do incesto. A inculcação das normas posterior a sua criação é, pois, um fenômeno psicológico. Tal fato gera um ciclo que liga a biologia à sociedade.
Dois exemplos ainda podem ser dados como estruturas universais do pensamento humano: os mitos e as formas de pensamento. Respectivamente trabalhados nas obras Mito e significado (1985) e O Pensamento selvagem (1997), bem como a obra correlata O totemismo Hoje (1986). Na primeira Lévi-Strauss debate o poder dos mitos como forma de também explicar a realidade, com a sua lógica e a sua transposição da natureza humana para a cultura, destacando o peso que foi dado à ciência nos últimos séculos em detrimento ao conhecimento mítico.
O Totemismo hoje (1986) é um texto que debate a diferenciação da natureza humana e da cultura. Antecede o grande debate  presente na obra O Pensamento Selvagem (1997) onde analisa os termos dicotômicos “primitivo” e “moderno” (reminiscência de Durkheim), percebendo que os ditos primitivos tem a mesma capacidade de conhecer e explicar a realidade, tal como a racionalidade moderna. Ambos são regidos por leis complexas, mas com princípios diferentes.
Ao dito “primitivo” cabe a criação de estruturas a partir de eventos (mitos), ao “moderno” cabe a criação de inventos a partir de abstrações (estruturas) que criam realidades e interferem no real. Contudo, ambos dão conta da realidade humana transposta do animal. Sobre este principio ordenatório afirma Lévi-Strauss (1997, p. 25): essa exigência de ordem constituí a base do pensamento que denominamos primitivo, mas unicamente pelo fato de que constituí a base de todo pensamento [...]. Ou seja, o dito pensamento selvagem ou totêmico é uma forma racional de lidar com a natureza humana, não é uma ilusão, mas um mecanismo estruturante do pensamento humano universal. Assim, o totemismo é uma das regras que opera-se na transposição da natureza humana para a cultura.
A lógica – racional ou totêmica/primitiva – é uma estrutura designada pela sociedade para ordenar o caos da natureza (física e da psiquê humana). Ela é uma forma de classificar o real via pensamento (via cultura), sendo esta classificação variada conforme o grupo social. Daí cada grupo criar sua estrutura inerente a sua realidade. Há, para Lévi-Strauss, uma homologia suposta entre o cérebro e as estruturas, daí estas serem universais e binárias (as formas são iguais, mas os conteúdos diferentes). É a adequação do aparelho neurofisiológico para a criação de estruturas simbólicas.

3.2.        Lévi-Strauss e “O pensamento selvagem”:

Lançado na década de 1960, O pensamento selvagem é uma das obras mais importantes de Lévi-Strauss, talvez só de menor importância se comparado As estruturas elementares do Parentesco. Estritamente correlacionado ao Totemismo hoje, O pensamento selvagem poderia ser resumido a um abrangente argumento de que a capacidade de investigação, ordenação e compreensão do mundo de forma lógica está presente em todas as culturas.
Nomear, identificar e explicar não é uma ação exclusiva do homem ocidental capitalista e herdeiro do Iluminismo. Ordenar o mundo é uma característica universal humana. Logo, pode-se perceber que as “categorias de pensamento” de Durkheim reaparecem em Lévi-Strauss e no Pensamento Selvagem, dando a “selvagens” e “civilizados” a igualdade da inferência lógica e dedutiva sobre a realidade. De fato, ao invés de pensar em um sistema apriorístico de lógica, Lévi-Strauss (1997) percebe ser uma estrutura universal e organizatória dos homens.
Ordenar não liga-se apenas a uma “utilidade prática” de obtenção de alimentos e de sobrevivência (1997), mas sim a um fenômeno estruturante do homem frente à natureza e a sua correlação com ela. Assim, Lévi-Strauss (1997, p, 24) afirma que este conhecimento “[...] antes corresponde a exigências intelectuais ao invés de satisfazer às necessidades [...] e, através desse agrupamento de coisas e de seres, introduzir um principio de ordem no universo. Qualquer que seja a classificação, esta possui uma virtude própria em relação a ausência de classificação [...]”.
Neste contexto surge uma estruturação ou um numero de estruturações finitas, tal como uma língua e suas regras. Esta estrutura expressa numa exigência e aplicação de ordem não é apenas universal a todos, mas a dita “primitiva” não é menos precisa ou não evoluída que a dita “científica”, “[...] mas unicamente pelo fato de que constitui a base de todo pensamento [...]” (LÉVI-STRAUSS, 1997, p. 25).
            Dentro deste contexto, Lévi-Strauss (1997, p. 26-ss) afirma que não se pode perceber a magia como uma proto-ciência. Mas, ao contrário, ele defende a igualdade de eficiência organizatória-explicativa entre ela e a magia, pois em ambas as relações objetivas com o mundo são fixadas. O que as difere é, se não, a diferença da natureza das ações dos homens. É assim que, então, Lévi-Strauss, ao analisar a revolução do neolítico, afirma existirem dois modos diferentes de pensamento científico: um muito próximo a intuição sensível e outro mais distanciado.
            Ao pensamento próximo a intuição sensível, Lévi-Strauss destaca o bricoleur, ou seja, o individuo que organiza seu trabalho com os elementos próximos ou ao alcance das mãos. Uma espécie de artesão prático (sem metodologias e formulas) que trabalha com os elementos em seu entorno e não busca evidências ou outros elementos para ordenar o mundo. As soluções aparecem no momento em que se tornam problemas.
            No pensamento distanciado ou científico, o pesquisador não apenas busca um problema a ser solucionado, mas também formas metódicas e repetíveis tanto para a enunciação do problema, como para a sua solução. Seu pensamento se ordena para um campo mais amplo que seu dia-a-dia, ele busca respostas ou problemas maiores. De certa forma, ele até os cria para então os responder. Ao contrário do bricoleur, o pesquisador/cientista busca não apenas uma neutralidade, mas como princípios adjacentes aos problemas e soluções encontradas.
            Antes que se pense que o bricoleur e o cientista são pontos diametricamente opostos, Lévi-Strauss (1997, p. 37) afirma: “[...] não se trata de dois estágios ou de duas fases da evolução do saber, pois os dois andamentos são igualmente válidos [...]”.  Os mitos configuram-se para Lévi-Strauss (1997, p. 37) também como bricolagens, mas configuram-se também como formas de saber e de organização da vida humana (ou seja, tais como as regras e as trocas, os mitos também são os estruturantes da vida humana):
[...] Ora, é peculiar ao pensamento mítico, assim como ao bricolage no plano prático, a elaboração de conjuntos estruturados não diretamente com outros conjuntos estruturados mas utilizando resíduos e fragmentos de fatos [...] – testemunhos fosseis da história de um indivíduo ou de uma sociedade. Num certo sentido, inverte-se a relação entre diacronia e sincronia: o pensamento mítico, esse bricoleuse, elabora estruturas organizando os fatos ou os resíduos dos fatos, ao passo que a ciência, “em marcha” a partir de sua própria instauração, cria seus meios e seus resultados sob a forma de fatos, graças às estruturas que fabrica sem cessar e que são suas hipóteses e teorias [...].

            Assim, fica claro que no Pensamento selvagem Lévi-Strauss defende a capacidade e a operacionalização dos “primitivos” de formas de conceber, ordenar e interagir com o mundo fora, principalmente, de um enfoque místico ou sobrenatural. As relações são de causalidade, de interação e intervenção do homem na realidade que o cerca.      Esta ordenação sistemática e coerente presente na mentalidade são vistas por Lévi-Strauss em sua obra O totemismo hoje (1986) como já apontadas por Marcel Mauss e Durkheim no texto Algumas formas primitivas de classificação (1901-1902 [2009]) sobre as formas de concepção de tempo, espaço e grupo junto aos ditos “primitivos”. De antemão, portanto, cabe destacar a continuidade da Escola Sociológica Francesa em Lévi-Strauss e perceber nele a continuidade e reelaboração de conceitos de Emile Durkheim e Marcel Mauss.













4.   Durkheim e Lévi-Strauss – Aproximações:

Do exposto até agora torna-se visível a aproximação teórica entre Lévi-Strauss e Durkheim, sendo o primeiro considerado, conforme demonstrado, herdeiro teórico do segundo.  Se os fatos sociais são “coisas” passiveis de estudo e de serem o centro de uma ciência, eles ainda se configuram na Teoria Estruturalista de Lévi-Strauss não apenas como coisas palpáveis e passiveis de análise, mas como estruturas mentais finitas que organizam a vida humana. As Categorias de Pensamento equivalem, portanto, às Categorias Universais de Lévi-Strauss.
A Teoria Estruturalista apresenta-se como uma “melhoria” do que foi o Funcionalismo durkheimiano. Se analisarmos nas conclusões de Durkheim nas Formas elementares da vida religiosa perceberemos que ele mesmo indica que suas conclusões podem ser revistas, melhoradas e mais desenvolvidas por outros pesquisadores no futuro: “[...] Talvez pareça uma temeridade nossa abordar aqui um problema de tal complexidade. Para poder Tratá-lo como convém, seria preciso que as condições sociológicas do conhecimento fossem melhor conhecidas do que o são. Apenas começamos a entrever algumas delas [...]”. (DURKHEIM, 1997, p. 479).
Portanto, quando Lévi-Strauss afirma:
Su fracasso [referindo-se a Durkheim e sua produção] no se debe a una falta de clarividencia, sino al hecho de que las ciencias humanas más adelantadas – la pisocología y la lingüstica – no habían logrado todavía perfeccionar instrumentos (teoria de las formas o Gelstalt y la fonología respectivamente) metodológicos sin cuya ayuda la sociologia no puede abrir su proprio camino. (LÉVI-STRAUSS, 1956, p. 16).
           
            Pode-se entender que ele dá conta de uma continuidade à linha de Durkheim, inserindo a linguística e a psicologia (via Estruturalismo) para dar um maior rigor e mais especificidade à antropologia e a sociologia.  Assim, poderíamos chegar a seguinte conclusão entre Durkheim e Lévi-Strauss: tal como a religião totêmica australiana é vista não como a menos evoluída, mas como uma expressão mais simples das categorias de pensamento humano, o pensamento lógico em Lévi-Strauss terá a mesma significância: não é menos evoluído ou atrasado, ele está num continuum do pensar humano, referenciado-se diretamente na ciência como uma forma de ordenar e explicar o mundo

Esta sequência entre Durkheim e Lévi-Strauss fica mais clara se observada dentro das obras dos próprios autores (vide Tabela 2). Ao que tudo indica, nota-se que Lévi-Strauss adota a categorias de pensamento de Durkheim como sendo as categorias universais que estruturam a vida humana. Além disso, a concepção de um pensamento universal e sem visões determinísticas que já se encontram presente em Durkheim é perceptível em Lévi-Strauss ao afirmar a igualdade de racionalização entre o bricoleur e o cientista.
Outro ponto de destaque entre os dois autores é a influencia exercida sobre o pensamento social da primeira metade do século XX até meados dos anos de 1970 (vide Quadro 2). Quase a totalidade dos grandes antropólogos e sociólogos estão ligados direta ou indiretamente por Durkheim e/ou Lévi-Strauss. Tal ligação não se deve apenas a perpetuação de tradições nacionais no pensamento social (Inglês/ Anglófono e Francês), mas sobretudo a permanência das meta teorias destes autores e seus desdobramentos (Estrutural-funcionalismo, Neo funcionalismo e Pós-estruturalismo).






Tabela 2. Quadro comparativo e de aproximações teóricas entre Durkheim (1996) e Lévi-Strauss (1997)

Ponto Analisado

Emile Durkheim

Claude Lévi-Strauss


Retornar ao primitivo não como ponto do inicio de um Evolucionismo Social/Cultural, mas sim em busca das categorias universais presentes em todos os homens, mas que nos “primitivos” são mais facilmente observáveis, destacando, desta forma, um mesmo tipo ou forma de lógica e de forma de pensamento.

 “No fundo, portanto, não há religiões falsas. Todas são verdadeiras e a se modo: todas correspondem, ainda que de maneiras diferentes, a condições dadas da existência humana. [...] Portanto, se nos dirigimos às religiões primitivas não é com a idéia de depreciar a religião de uma maneira geral; pois essas religiões não são menos respeitáveis que as outras. Elas correspondem às mesmas necessidades, desempenham o mesmo papel, dependem das mesmas causas; portanto, podem servir muito bem para manifestar a natureza da vida religiosa e, consequentemente, para resolver o problema que desejamos tratar”.  (DURKHEIM, 1997, p. VIII).

“[...] Ora, essa exigência de ordem constitui a base do pensamento que denominamos primitivo, mas unicamente pelo fato de que constitui a base de todo pensamento, pois é sob o ângulo das propriedades comuns que chegamos mais facilmente às formas de pensamento que nos parecem muito estranhas” (LEVE-STRAUSS, 1997, p. 25)


A religião não é um antecessor da ciência, algo mais elaborado e com maior complexidade, visível apenas na atualidade. A religião, a magia e a ciência são formas diferentes, mas de mesma organização e principios, da forma universal do homem pensar e interagir com o mundo.


“Há muito se sabe que os primeiros sistemas de representações que o homem produziu do mundo e de si próprio são de origem religiosa. Não há religião que não seja uma cosmologia ao mesmo tempo que uma especulação sobre o divino. Se a filosofia  as ciências nasceram  da religião, é que a própria religião começou por fazer as vezes de ciência e filosofia. Mas o que foi menos notado é que não se limitou a enriquecer com um certo numero de idéias  um espírito humano previamente formado; também contribuiu para formar esse espírito. Os homens não lhes devem apenas, em parte notável, a matéria de seus conhecimentos, mas igualmente a forma segundo a qual esses conhecimentos são elaborados”. (DURKHEIM, 1997, p. XV).

“[...] Os ritos e as crenças mágicas apareceriam então como tantas outras expressões de um ato de fé numa ciência ainda por nascer. [...] Não apenas por sua natureza, essas antecipações podem à vezes ser coroadas de êxito: elas também podem antecipar duplamente; em relação à própria ciência e aos métodos e resultados que a ciência só assimilará num estágio avançado de seu desenvolvimento, se é verdade que o homem enfrentou primeiro o mais difícil, ou seja, a sistematização no plano dos dados sensíveis, aos quais a ciência voltou as costas por muito tempo e que apenas começa a reintegrar em sua perspectiva [...]” (LÉVI-STRAUSS, 1997, p. 27).  

Tabela 2. Continuação

As relações que a magia, a religião e a ciência colocam são de ordem prática e de conhecimento. Portanto, a ciência não é uma “estréia” do pensamento lógico humano, ele já se encontra na magia e na religião.


“[...] Ora, contrariamente às aparências, constatamos que as realidades às quais se aplica então a especulação religiosa são as mesmas que servirão mais tarde à reflexão dos cientistas: a natureza, o homem e a sociedade. [...] Essas realidades, a religião se esforça para traduzir numa linguagem inteligível que não se difere em natureza daquela que a ciência emprega; de parte em parte, trata-se de vincular as coisas umas às outras, de estabelecer entre elas relações internas, de classificá-las, de sistematizá-las [...]” (DURKHEIM, 1997, p. 475)

“ [..] O pensamento mágico não é uma estréia, um começo, um esboço, a parte de um todo ainda não realizado; ele forma um sistema bem articulado; independente, neste ponto, desse outro sistema que constitui a ciência, salvo a analogia formal que os aproxima e que faz do primeiro uma espécie de expressão metafórica do segundo. Portanto, em lugar de opor magia e ciência, seria melhor colocá-las em paralelo, como dois modos de conhecimento desiguais quanto aos resultados teóricos e práticos[...], mas não devido à espécie de operações mentais que ambas supõem e que diferem menos na natureza que na função dos tipos de fenômenos aos quais são aplicadas”. (LÉVI-STRAUSS, 1997, p. 28)



Quadro 2Filiação teórica de alguns dos principais sociólogos e antropólogos da primeira metade do século XX e suas ligações com Durkheim e Lévi-Strauss


5.   Conclusões:

Do que foi exposto neste artigo fica clara a ligação entre Lévi-Strauss e Emile Durkheim. Tal ligação não está apenas na filiação à Escola Sociológica Francesa ou a nacionalidade francesa. O que torna ambos ligados é a continuidade e reelaboração do que Durkheim chamou de “categorias do pensamento” e Lévi-Strauss de “categorias universais”.
Durante todo o artigo destacaram-se pontos que demonstram a ligação e a mesma significação dos termos. Ou seja, uma equivalência de termos e de significados. Contudo, torna-se obvio que esta equivalência tem suas restrições e grandes limitações. Seja observado não apenas o tempo que separa os autores e, consequentemente, a formação de ambos. Mas, sobretudo, a situação sócio-histórica em que ambos vivam.
Emile Durkheim, apesar de nascido no sáculo XIX, tinha sua formação baseada no século XVIII, logo a racionalidade, a cientificidade e a busca por leis gerais para a organização do pensamento estão expressas em suas obras.  O clima burguês, citadino e industrial tornou-se um dos motores que fez Durkheim se afastar de seu mestre Auguste Comte. Contudo, por mais que tenha criado efetivamente uma ciência social, com suas regras, métodos e campos de ação, sua formação positivista e evolucionista social estão presentes como um “ranço” na produção durkheimiana.
Em especifico para a antropologia, ainda estavam por chegar Malinowski e Radcliffe-Brown para aprimorarem os postulados funcionalistas de Durkheim e influenciar também o desenvolvimento da sociologia anglófona e francesa. Bem como coube a Marcel Mauss dar um novo fôlego e um novo direcionamento aos estudos iniciados com Durkheim. Assim, O ensaio sobre a dádiva (2002), mesmo trazendo a marca de Durkheim nos fatos sociais totais, tem seu rompimento nestes mesmo fatos ao propor uma leitura bio-psico-social destes – o que, com certeza, não seria um caminho a ser trilhado por Durkheim.
Lévi-Strauss nasce e vive no século XX passando desde a grande depressão de 1929, a ascensão do nazismo e do anti-semitismo. Estuda Direito na Faculdade de Direito de Paris, obtendo sua licença antes de ser admitido na Sorbonne, onde se graduou em Filosofia em 1931 .
Depois de passar dois anos ensinando filosofia no Liceu Victor-Duruy de Mont-de-Marsan e no liceu de Laon, o diretor da Escola Normal Superior de Paris, Célestin Bouglé convida-o a integrar a Missão Universitária Francesa no Brasil, como professor de sociologia da Universidade de São Paulo (USP) Toda esta bagagem, com certeza, se vêem refletidas em suas obras – Raça e História e Tristes Trópicos – e em sua atuação no  Collège de France.
A sua Teoria Estruturalista influenciará não apenas toda uma geração entre os anos de 1950 a 1960, mas também os críticos a ela e as demais meta teorias nos anos de 1960 e 1970. Contudo, o Estruturalismo inda tem um relativo vigor e utilidade dentro das ciências sociais e humanas.
Independentemente da formação e do período sócio-histórico, Lévi-Strauss e Emile Durkheim tem entre si uma estreite ligação na busca por dar conta dos processos de pensamento, racionalização e de categorização em suas obras. Em ambos encontra-se a tentativa holística de dar conte tanto das especificidades do mundo urbano (Durkheim), quanto do mundo fora da Europa entre os nativos de várias partes do mundo (Lévi-Strauss).
Apriorísticos ou não, relativistas a seu modo e interligado pelas questões filosóficas, Emile Durkheim e Lévi-Strauss podem ser considerados não apenas grandes expoentes da Escola Sociológica Francesa, mas também dois grandes teóricos que modificaram a forma de perceber e lidar com o mundo sócio-cultural. 














6.   Referências Bibliográficas:

BIZELLI, E. A. Considerações sobre As formas elementares da vida religiosa, de Émile Durkheim: contribuições e polêmicas. In: Revista Nures, Edição/Ano 2 - Número 4, Setembro/Dezembro  2006. Disponível em: < http://www.pucsp.br/nures/revista4/nures4_edimilson.pdf>. Acesso em 26 de ago. de 2011.

CARDOSO DE OLIVEIRA, L. R. As categorias do entendimento humano e a noção de tempo e espaço entre os nuer. Série Antropologia, n. 137, Brasília, 1993. Disponível em: < http://vsites.unb.br/ics/dan/Serie137empdf.pdf>. Acesso em: 26 de ago. de 2011.

CARDOSO DE OLIVEIRA, R. Sobre o pensamento antropológico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1988.

_______________________. O trabalho do antropólogo. Brasília: Paralelo 15, 1998.

DOUGLA, M. Pureza e perigo. São Paulo: Perspectiva, 1976.

DURKHEIM, E. Representações Individuais e Representações Coletivas. In Sociologia e filosofia.  Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1970.

______________. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

______________. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins fontes, 1999.

DURKHEIM, E; MAUSS, M. Algumas formas primitivas de classificação. In: MAUSS, M. Ensaios de sociologia. São Paulo: Perspectiva, 2009, p. 399-455.

ELIAS, N. O processo civilizador. Volume um: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

EVANS-PRITCHARD, E. E. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

FREUD, S. Totem e Tabu e outros trabalhos. Volume XIII (1913-1914). Rio de Janeiro: Imago, 1974.

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.

LÉPINE, C. O inconsciente na antropologia de Lévi-Strauss. São Paulo: Ática, 1979.

LÉVI-STRAUSS, C. La sociología francesa. In: GURVITCH, G; MOORE, W. E. (dir.) Sociología del siglo XX. Buenos Aires: El Ateneo: 1956, p. 02-31.

_______________. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis: vozes, 1982
______________. O totemismo hoje. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1986.

______________. Mito e significado. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1985.


______________. O pensamento selvagem. 2. ed. Campinas/SP: Papirus, 1997.

______________. Raça e História. In: Antropologia estrutural dois. 4. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993, p. 322-366.   

______________. O pensamento selvagem. 2. ed. Campinas/São Paulo: Papirus, 1997.

MAUSS, M. Ensaio sobre a dádiva. Lisboa/Portugal: Edições 70, 2002.

_________. Um esboço de uma teoria geral da magia. In: Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p.49-181.

MERLEAU-PONTY, M. De Mauss a Claude Lévi-Strauss. In: Maurice Merleau-Ponty: Textos Selecionados. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 193-206.

ROUSSEAU, J. J. O contrato social. Porto Alegre: L&PM, 2006.


[1] Destacam-se ainda as seguintes obras publicadas após a morte de Durkheim: 1922 – Educação e Sociologia e Sociologia e Filosofia, 1925 – A educação moral, 1950 – Lições de sociologia, 1955 – Pragmatismo e sociologia e em 1970 A ciência social e a ação (coletânea de artigos escritos por Durkheim em diferentes períodos).
[2] Afirma, contudo, Lévi-Strauss (1965, p. 06): [...] Durkheim considera la sociología como uma especie de psicologia, pero de carácter muy particular que nada tiene que ver com la psicologia individual [...]. Denotando assim a particularidade da ciência do social, mas não negando a possibilidade de “[...] uma nueva psicologia, a la vez objetiva y experimental, que permitiese reconciliar los dos aspectos de los hechos sociales, los cuales son tanto cosas como representaciones (LÉVI-STRAUSS, 1956, p. 05)
[3] Para efeito deste artigo os termos etnografia e antropologia têm o mesmo valor ao referir-se à ciência social que estuda o “outro” (ou “os outros”), referindo-se a povos não europeus ou grupos que não apresentam a mesma característica básica da modernidade em Durkheim: a divisão do trabalho social nos moldes capitalistas.
[4] Nas “Formas elementares de vida religiosa” (1997, p.87-88) o próprio Durkheim se posiciona frente aos evolucionistas e a Frazer: Essa escola, com efeito, não buscava situar as religiões nos meios sociais de que fazem parte e diferenciá-las em função dos meios diferentes aos quais estão assim relacionadas. Muito pelo contrário, como indica o próprio nome que essa escola se deu, seu objetivo é atingir, para além das diferenças nacionais e históricas, as bases universais e verdadeiramente humanas da vida religiosa. Ela supõe que o homem possua em si mesmo, em virtude de sua constituição própria e independentemente de quaisquer condições sociais, uma natureza religiosa, e se propõe determiná-las. Para uma pesquisa desse gênero, todos os povos podem contribuir. Claro que haverão de ser interrogados de preferência os mais primitivos, porque neles essa natureza tem a chance de se mostrar nua [...] Esse não poderia ser nosso método.   
[5] Como já afirmado, para efeito deste artigo os termos etnografia e antropologia têm o mesmo valor.
[6] Observando a formação que Durkheim teve (sessão 1.1 e 1.2 deste artigo) torna-se obvio que Durkheim seria entendido como um homem/cientista do século XIX, mas com um perfil mais próximo a formação do século XVIII (Iluminismo, razão e cientificismo). Nesse sentido colaboram tanto as premissas da evolução social (que tem suas bases em Comte e Spencer, por exemplo), quanto o posicionamento da divergência entre cultura e civilização como marcos divisores do mundo naquele período (ver a análise de Elias, 1994 sobre a sociogênese dos conceitos de cultura e civilização e como estes podem ser transportados para fora do continente europeu denotando “civilizados” e “primitivos”) influenciaram um certo evolucionismo em Durkheim.